quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Qual estado brasileiro pratica a maior alíquota média efetiva do imposto de herança?*


*Essa publicação é um resumo do trabalho que publiquei nesta revista científica, onde procurei estimar a alíquota efetiva média do imposto sobre transmissão causa mortis e doação nos estados e no Brasil. Através de diversas simulações e comparações das regras legais existentes em todos os estados da federação é possível concluir que o Ceará é provavelmente quem pratica as maiores alíquotas sobre herança no Brasil e o estado do Amazonas a menor.
 
 
Enquanto os países ricos costumam aplicar alíquotas sobre herança acima dos 40%, o Brasil tem que se contentar com um limite máximo de 8%, regra estabelecida pelo Senado Federal em 1992, a partir de previsão Constitucional. Assim sendo, o imposto de herança, o qual é de competência estadual, pode ter suas alíquotas variando de 0% a 8%. Também vale observar que é permitida a aplicação de alíquotas diferenciadas conforme a faixa de valores dos bens transmitidos, ou seja, para esse imposto é prevista a progressividade.

A partir de então, o trabalho investiga quais estados da federação aplicam as maiores e menores alíquotas médias efetivas desse imposto. A questão é saber quem dá mais ou menos valor a um tipo de tributo, defendido até por Bill Gates e que teve aplicação histórica mais intensa em países liberais, ou seja, um imposto extremamente compatível com a ideia de meritocracia e justiça social, a agradar, pelo menos em teoria, a todo o espectro ideológico.

Todavia, observa-se que a literatura sobre o tema costuma ser tangencial, não aprofundando sobre a questão e, via de regra, apenas calculando uma alíquota média das alíquotas previstas pelos estados. Esse caminho, apesar de válido dentro de uma área com poucas informações, não leva em consideração importantes regramentos legais, como por exemplo:

 

     1) Existência ou não da progressividade;
     2) Faixas de valores de aplicação das diferentes alíquotas;                                  
     3) Existência ou não de isenções;
     4) Faixa de valores das isenções;
     5) Aplicação de isenção por quinhão ou por imóvel “familiar”;
     6) Diferentes regras para imóveis rurais e urbanos;
     7) Condicionantes de quem recebe a herança já possuir um imóvel.


Dessa forma, a busca por uma alíquota efetiva média teria que ter acesso aos valores arrecadados por cada estado (informação disponível) e aos valores efetivamente transmitidos por herança (informação não disponível). A propósito, além dos entes estaduais não divulgarem essa última informação, nem mesmo uma divulgação oficial seria de confiança, já que muitos valores avaliados são feitos abaixo dos de mercado.

Portanto, o trabalho propôs realizar nove simulações de cálculo da alíquota efetiva média, em que se considera as informações legais existentes e as diferenças de concentração de renda e patrimonial existentes. A tabela abaixo apresenta o ranking da média dessas nove simulações realizadas. 


Ranking por estado das maiores alíquotas médias efetivas praticadas sobre o imposto de herança

Fonte: PACHECO (2020)


Em termos comparativos cabe destacar o estado do Ceará, o qual obteve uma alíquota efetiva média superior a 7% em cinco das nove propostas de cálculo realizadas,maior do que todos os outros estados em sete das nove simulações. Já em termos negativos, o destaque foi para o estado do Amazonas, o qual aplica uma alíquota única de 2% e que quando se consideram as isenções aplicadas a imóveis familiares tem a alíquota efetiva média reduzida para até 1,74% a depender da proposta de cálculo.


Referência Bibliográfica: PACHECO, Cristiano S. A. Estimativas da alíquota efetiva média do imposto sobre transmissão causa mortis e doação (ITCD) nos estados e no brasil. Revista de Finanças Pública, Tributação e Desenvolvimento. V.8, n.10. UERJ, 2020. 

 


segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Lições dos países ricos (e do Bill Gates) sobre o imposto de herança/doação

 

Ao contrário do que muitas vezes se pensa, historicamente o imposto sobre herança/doação foi ativamente defendido por filósofos, economistas e políticos de orientação liberal, como Jeremy Bentham, John Stuart Mill e Thomas Jefferson. No mesmo sentido, sua implementação se deu de forma espantosamente mais acentuada após as duas grandes guerras mundiais e em países em que predominava o liberalismo, como EUA, Reino Unido, Canadá, Nova Zelândia e Austrália.

 

Por exemplo, no ano de 1965, a alíquota superior do imposto sobre heranças em linha direta era de 77% nos EUA e 80% no Reino Unido e apenas de 2% no Brasil. No caso do Reino Unido, esse percentual chegou a aumentar ainda mais no início dos anos 70, quando atingiu 85%. E em 1972, o candidato democrata George McGovern, chegou a propor uma taxa superior de 100% para as heranças mais elevadas.


Todavia, a partir do final dos anos 80, o imposto que até então era reconhecido como necessário para garantir igualdade de oportunidades e o aspecto meritório do capitalismo passou a ser questionado na maioria dos países ricos. Os principais argumentos levantados iam no sentido recorrente de dizer que os impostos desencorajam os agentes econômicos a trabalharem, pouparem e empreenderem.


Entretanto, as evidências atuais sugerem não haver relação comprovada entre produtividade e tamanho das alíquotas aplicadas (pelo menos nos níveis existentes até hoje), sendo ainda mais incerta no que tange à tributação sobre heranças. A própria história do capitalismo parece corroborar esse argumento, pois entre 1950 e 1973, quando ocorreu o período mais próspero do capitalismo, também estiveram vigentes as maiores tributações sobre renda e patrimônio.



Ademais, também existem boas evidências de que grandes heranças legadas a herdeiros aumentam a probabilidade de que estes deixem de trabalhar ou trabalhem menos. Essa, inclusive, tem sido a preocupação de alguns multimilionários, como Warrent Buffet e Bill Gates, os quais alegam que irão deixar a seus herdeiros apenas uma pequena fração de suas fortunas, deixando o resto a fundos de caridade. Aliás, conforme Piketty (2014), a própria disposição em exercer esse “altruísmo” parece guardar relação com a tributação. O autor observa que esses fundos são bem mais relevantes em países com histórico de imposto sobre herança elevado, como nos EUA. 


Por fim, o belo trabalho de Mazzucato (2014) demonstra ser o estado quem reúne as melhores condições para trazer dinamismo e inovação à economia, o que, por sua vez, demanda contrapartidas dos agentes privados, até para se garantir a sustentabilidade futura da cooperação estado/iniciativa privada. Ninguém menos do que Bill Gates também defende essa premissa:


A razão pela qual o imposto sobre herança faz tanto sentido é que existe uma relação direta entre o patrimônio líquido que as pessoas têm quando falecem com onde moram. O governo que protege suas atividades comerciais, as tradições que lhes permitem confiar em certas coisas acontecendo, é o que cria capital e permite que o patrimônio líquido aumente. O ingrediente mais significativo de todos é o investimento do governo federal em pesquisa e desenvolvimento tecnológico. Cerca de 30% do crescimento do nosso produto nacional bruto a cada ano é uma função da nova tecnologia; isso é em grande parte onde a riqueza é criada. O aumento no patrimônio pessoal é em grande parte derivado de ideias para novas tecnologias do governo federal, as quais criam riqueza. […]. O fato é que o imposto sobre herança é coletado em conexão com a passagem da riqueza de uma geração para outra. [...]. É um imposto inteiramente apropriado, que eu descreveria como uma fatura devida para aqueles que tiveram a oportunidade de desfrutar de tal generosidade (GATES, 2006).


Vale registrar, que mesmo com os reveses da era neoliberal, entre os países que mantiveram este tipo de imposto, sua arrecadação continua muito maior do que no Brasil e com a aplicação de alíquotas em patamares sempre maiores do que 30%, enquanto no Brasil, o limite máximo é de 8%. A arrecadação também costuma ser de duas a três vezes mais elevada, o que prova que o Brasil ainda tem muito que aprender com os países mais ricos, talvez, ouvindo menos o que falam e fazendo mais o que fazem/fizeram.



Referências Bibliográficas:



GATES, Bill. Trechos retirados de uma conferência para o Center on Budget and Policy Priorities (CBPP) em 1º junho de 2006. Disponível online em: <http://www.cbpp.org/6-1-06tax-transcript.pdf>.

MAZZUCATO, Mariana. O Estado empreendedor: desmascarando o mito do setor público vs setor privado. São Paulo: Portfolio-Penguin, 2014.

PIKETTY, Thomas. O capital no século XXI. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014.

quarta-feira, 29 de julho de 2020

Custo Social dos Carros - Poluição e Acidentes!


Você faz ideia de quanto é o subsídio existente para que as pessoas possam usar os carros? E que mesmo quem não tem carro vai ajudar a pagar os custos advindos dos que os possuem? Ademais, que o IPVA não chega nem perto de cobrir esses custos? Talvez não seria mais justo o governo subsidiar menos os carros e investir mais em outros meios de transporte?

Enfim, essas e outras questões pretendo abordar em uma série de vídeos a respeito dos custos sociais dos carros (também chamado externalidade negativa em economia). 

A inspiração para iniciar minhas pesquisas a respeito do tema veio de observações sobre certas abordagens frente a algumas alternativas de modos de transporte. Por exemplo, durante um tempo, em SP, ciclovia foi encarada como inimiga número um. Ainda que tivesse ali uma pegada política contra o partido do prefeito, ficou claro que a lupa sobre os gastos ditos “excessivos” era também uma luta contra a tentativa de se mudar o foco exclusivo no modal automotivo.

Para quem acompanhou o surgimento dos aplicativos de patinetes, também houve um momento inicial de histeria, onde parecia que o sistema de saúde iria quebrar por causa da novidade.

E, para quem observa o dia a dia das lutas por tarifas mais baratas ou gratuitas no transporte público, falar de maiores subsídios para esses modais é visto como heresia por parte da população. Afinal, muita gente visualiza que isso irá aumentar os impostos e ninguém quer pagar pelo bem-estar dos outros. Que cada um se vire para comprar seu próprio carro (em prejuízo de todos).

Pois bem, frente a esses fatos me surgiu a questão: E se usarmos os mesmos critérios para os carros?

Já com algumas pequenas pistas e leituras a respeito, resolvi então aprofundar minhas investigações sobre os custos sociais dos carros. Ou seja, como o uso excessivo dos carros impacta no bolso não só de quem tem o carro, mas também de toda a sociedade.

No caso do Brasil, identifiquei um estudo denominado de relatório Simob, da Associação Nacional dos Transportes Públicos (ANTP), o qual realiza estimativas anuais dos custos com acidentes, poluição atmosférica e sonora para cidades acima de 60 mil habitantes, a qual foi minha primeira referência de valores que trouxe para reflexão em formato audiovisual. O relatório apresenta ainda os gastos com manutenção.

Assim, para apenas essas quatro variáveis (alguns estudos internacionais mencionam mais de 15 possíveis externalidades negativas) estimam-se valores de R$ 150 Bilhões, o que representou 2,38% do PIB de 2016.

Para se ter uma ideia da magnitude desse valor, o tal fundo partidário (que causa tanto furor aos adeptos de que somente os bancos financiem a política) seria 50 vezes menor. Os gastos com a Copa do Mundo que também enfureceram a muitos, ficam 3 ou 4 vezes abaixo. Com esse valor daria ainda para pagar 3 meses desse auxílio emergencial do coronavírus.

Diversos autores observam que, quando as externalidades negativas não são internalizadas, os incentivos ficam distorcidos, com terceiros subsidiando o uso dos modais automotivos individuais, em prejuízo próprio e de toda sociedade. Afinal, o transporte individual se torna relativamente mais atrativo, levando a que cada vez mais pessoas procurem ter carros, o que leva a um agravamento sistêmico dos transportes na cidade.

Portanto, esses R$ 150 Bilhões divididos igualmente por cada cidadão adulto representa a importância de R$ 1.000,00 per capita. E, se levarmos em conta a estrutura regressiva do nosso sistema tributário, é bem possível que os mais pobres paguem ainda mais. Ou seja, quem usa o ônibus todo o dia, além de pagar uma passagem de ônibus extorsiva, ainda ajuda a subsidiar o uso dos carros...

Por fim, com o propósito de apontar caminhos para eventuais políticas de internalizações desses custos, o trabalho observou que os custos totais apurados divididos pela frota de veículos automotivos existentes no país, resulta em um valor de R$ 3.900,00.

Pergunta-se então: Quem paga esse valor de IPVA?

Outra possibilidade é comparar os resultados encontrados dos custos externos com a quantidade de litros de combustível veicular consumidos no ano. Essa variável pode ser melhor do que a anterior, pois tenta levar em conta o uso efetivo do modal. Assim, ao invés da simples propriedade do veículo, a questão é relacionar os custos sociais com a quantidade de deslocamentos efetivamente realizados e de combustível consumido.

 Nesse cenário, os resultados apontam custos de R$ 2,67 por litro de gasolina/etanol consumidos no ano. Portanto, esses seriam os possíveis valores a serem adicionados ao preço do combustível pago na bomba para que a externalidade negativa fosse internalizada.