Pensando
situações em que a vantagem comparativa possa ser uma
“desvantagem”.
Recentemente tive novamente contato com a ideia de vantagens comparativas de David Ricardo. A ideia é muito interessante e foi um grande insight para a época. É claro que muita gente não gostou e nem aplicou, aliás, dizem que alguns dos próceres da independência norte-americana tentaram proibir o livro e nunca aplicaram essas ideias na nação que se tornou a mais rica.
Mas o propósito aqui não é contar história e sim meditar a respeito da ideia genial de David Ricardo e tentar formular contextos em que ela pode ser nociva para o desenvolvimento de uma das partes. Basicamente a ideia das vantagens comparativas afirma que as trocas comerciais são vantajosas mesmo que uma das partes seja mais eficiente em produzir qualquer produto. Abaixo tentarei explicar isso através de exemplos.
Também já vi muitas críticas a respeito, inclusive Raul Prebisch teria observado que os que se especializam em bens primários tenderiam a ter uma degradação dos termos de troca ao longo do tempo. A questão até os dias de hoje parece que continua cheia de controvérsias, com evidências e dados a confirmar uma ou outra posição.
Todavia, a partir de exemplos que eu mesmo inventei, resolvi pensar numa problematização, dentro da perspectiva que acredito ser mais coerente, a de que ao longo do tempo, quem se especializa em bens não manufaturados "dança".
Tempo
1
Vamos
supor que este seja o tempo gasto por João e José para produzir
dois bens de consumo. Esta
é a produção possível no tempo 1
Tempo necessário em horas
|
||
Colher um Kg de abacate | Caça de uma paca | |
João
|
2
|
4
|
José
|
1
|
3
|
Portanto, o preço
em abacates para produzir pacas será as horas gastas em pacas divido pelas horas gastas em abacates:
Preço em abacates
|
||
Colher um Kg de abacate | Caça de uma paca | |
João
|
1
|
2
|
José
|
1
|
3
|
Isso
demonstra que se João resolver caçar uma paca, ele deixa de colher
2 abacates, enquanto José deixa de colher 3 abacates. Dessa forma,
se João conseguir dar uma 1 paca e ganhar em troca mais de 2 abacates, ele terá
tido vantagem, pois ele gasta para produzir uma paca o tempo equivalente à produção de 2 abacates, portanto, se obter mais do que isso, ele ganha. Já João, ao produzir 1 paca, ele deixa de colher 3 abacates, então, se conseguir obter 1 paca dando em troca menos de 3
abacates, também terá tido vantagem. Assim, as trocas entre os dois poderiam se
dar entre 2 e 3 abacates por 1 paca.
Ou
então, se João colher 1Kg de abacate, ele deixa de caçar 0,5
pacas, enquanto José deixa de caçar um terço de pacas. Assim, se
João obtiver 1kg de abacate dando menos de 0,5 pacas, ele ganha. E
se José der 1 kg abacate por mais de 0,33 pacas, ele também ganha.
Assim, as trocas se darão entre 0,33 e 0,5 pacas por abacate
A
ideia é que cada um deve se especializar naquilo que tem vantagem
comparativa. Percebe-se que José colhe o dobre de abacate que João
em uma hora, enquanto na caça de paca, ele caça apenas 32% a mais
de paca do que João. Vamos ver então, como fica se cada um se
especializar naquilo que é mais produtivo em termos relativos.
Vamos supor uma jornada de 8 horas.
De negrito, deixei aquilo em que cada um deve se especializar.
Produção em 8 horas
|
||
Colher abacate
|
Caça de paca
|
|
João
|
4
|
2
|
José
|
8
|
2,66
|
Sem
comércio, se João quisesse consumir 2 Kg de abacate, ele deveria
dedicar 4 horas colhendo abacate (2 horas para cada Kg) e restaria
ainda mais 4 horas para caçar uma paca. Mas ele caçando 2 pacas em
8 horas, pode chegar para o José e falar:
-
Olha José, eu tenho aqui 1 paca, a qual me custou o tempo de
produção de 2 abacates. Por sua vez, estou vendo aqui que sua
produção de paca tem lhe custado 3 abacates. Ora, o que acha de eu
te dar uma paca em troca de 2,5 abacates?
Se
a troca se efetuar teríamos o seguinte resultado final
Resultado após as trocas
|
||
Kg de abacate
|
paca
|
|
João
|
2,5 (obtido com a troca)
|
1 (2-1; diminuído pela troca)
|
José
|
5,5 (8-2,5 diminuído pela troca)
|
1 (obtido com a troca)
|
Neste caso, José
produziria 8 Kg de abacate, enquanto João produziria 2 pacas.
Percebam
que caso João queira consumir esses resultados encontrados (2,5Kg de
abacate e 1 paca), ele deveria se dedicar 5h (2h por abacate x 2,5
abacates) para obter 2,5Kg de abacate e 4h para obter 1 paca. Assim,
a jornada dele seria 1h maior. Com a troca ele conseguiu 1 hora a
mais de lazer.
Agora
caso José quisesse consumir 5,5 Kg de abacate e 1 paca, trabalhando
por conta própria, ele gastaria 5h:30 min. para produzir 5,5 Kg de
abacate e 3 horas para produzir 1 paca. A soma de horas gastas também
seria de 8h:30 min. Assim, ele economizou 30 min. de trabalho....
TODO
MUNDO SAIU GANHANDO! E João ainda economizou mais tempo de
trabalho!!!
Tempo
2
Todavia,
vamos supor que o processo de produção de abacate seja um tipo de
atividade com ganhos ao longo do tempo. O ato de produzir abacates,
de estar junto à natureza, de mexer com a terra, colher, etc...
representa ao longo do tempo um ganho de produtividade. As pessoas
que se dedicam a produzir abacate vão ganhando experiência, pois é
uma atividade bucólica, mais criativa, não enfadonha, sujeita à
descoberta de novos processos e de técnicas melhores advindas da
experiência. Ademais, esse ganho de experiência, maior bem estar e
novas técnicas, permitem ganho de produtividade até na produção
de pacas, caso assim queira. Isso se explica pois a inventividade
advinda da produção de abacates também serve à produção de
pacas. Ao fim de um ano se dedicando à esse tipo de produção,
vamos supor que os indivíduos consigam dobrar sua produtividade. Mas
como apenas José se especializou na produção de pacas, assim
teríamos a nova configuração:
Tempo necessário em horas
|
||
Colher um Kg de abacate | Caça de uma paca | |
João
|
2
|
4
|
José
|
0,5
|
1,5
|
E
as outras tabelas ficariam assim:
Preço em abacates
|
||
Colher um Kg de abacate | Caça de uma paca | |
João
|
1
|
2
|
José
|
1
|
3
|
De
negrito, a produção sobre a qual cada um se especializou:
Produção em 8 horas
|
||
Colher abacate
|
Caça de paca
|
|
João
|
4
|
2
|
José
|
16
|
5,33
|
Resultado após as trocas
|
||
Kg de abacate
|
paca
|
|
João
|
2,5 (obtido com a troca)
|
1 (2-1; diminuído pela troca)
|
José
|
13,5 (16-2,5 diminuído pela troca)
|
1 (obtido com a troca)
|
Olha
que interessante, as trocas continuam sendo vantajosas para ambos.
Percebam que caso João quisesse continuar consumindo esses
resultados encontrados (2,5Kg de abacate e 1 paca), ele deveria
dedicar 5h (2h por abacate x 2,5 abacates) para obter 2,5Kg de
abacate e 4h para obter 1 paca. Assim, a jornada dele seria 1h maior.
Com a troca ele continua tendo 1 hora a mais de lazer.
Já
José continua se especializando na produção de abacates. Para
produzir 13,5 abacates, ele gastaria 6,75 horas; por sua vez, para
produzir uma paca, ele gastaria 1,5 horas. A soma de ambos agora é
8,25 horas ou mais precisamente 8h:15 min. Com a troca ele ganhou 15
minutos de lazer!!
Vejam
que agora a troca permite a João economizar 1 hora de serviço,
enquanto José economiza 15 minutos.
Tempo
3:
Vamos
agora supor que ao longo dos anos, o ato de se especializar em pacas
acaba por diminuir a produtividade das pessoas. Produzir pacas é
estressante, existe o risco do carrapato da paca deixar a pessoa
enferma por vários dias, a fadiga deixa a pessoa menos disposta, a
paca causa corrosão do solo, o que prejudica até a produção de
abacate etc... Enfim, diminui o tempo útil de trabalho da pessoa e
não há ganho com a experiência. Vamos então supor que ao fim
desse processo, o infeliz acaba diminuindo sua produtividade dos dois
produtos pela metade. Como ficariam as tabelas?
Tempo necessário em horas
|
||
Colher um Kg de abacate | Caça de uma paca | |
João
|
4
|
8
|
José
|
0,5
|
1,5
|
Preço em abacates
|
||
Colher um Kg de abacate | Caça de uma paca | |
João
|
1
|
2
|
José
|
1
|
3
|
De negrito, a produção sobre a qual cada um se especializou
Produção em 8 horas
|
||
Colher abacate
|
Caça de paca
|
|
João
|
2
|
1
|
José
|
16
|
5,33
|
Resultado após as trocas
|
||
Kg de abacate
|
paca
|
|
João
|
2,5 (obtido com a troca)
|
0 (1-1; diminuído pela troca)
|
José
|
13,5 (16-2,5 diminuído pela troca)
|
1 (obtido com a troca)
|
Olha
que interessante, as trocas continuam sendo vantajosas para ambos.
Caso João quisesse produzir 2,5Kg de abacate, ele gastaria agora 10
horas (4h/abacate x 2,5 abacate). Mas como ele continua sendo
relativamente mais produtivo na produção de pacas, eles gasta
“apenas” 8 horas para produzir pacas e troca essa única paca por
um 2,5kg de abacate, os quais lhes custariam 10 horas.
Já
José continua se especializando na produção de abacates. Para
produzir 13,5 abacates, ele gastaria 6,75 horas; por sua vez, para
produzir uma paca, ele gastaria 1,5 horas. A soma de ambos continua
sendo 8,25 horas ou mais precisamente 8h:15 min. Com a troca ele
ganhou 15 minutos de lazer!!
Vejam
que agora a troca permite a João economizar 2 horas de serviço,
enquanto José continua economizando 15 minutos.
Comparando
os períodos
João
|
José
|
|
Tempo 1
|
1 hora
|
30 minutos
|
Tempo 2
|
1 hora
|
15 minutos
|
Tempo 3
|
2 horas
|
15 minutos
|
Mas
que estranho! Como é possível que João esteja economizando mais
tempo, se João diminuiu sua produtividade e José aumentou?
Na
verdade, essas comparações foram feitas sob “desejos” de
consumir diferentes. Mas ao longo do tempo, José foi aumentando seu
consumo de abacates, enquanto João diminuiu o seu de paca. O bem
estar de José aumentou, pois consome muito mais abacate, enquanto
João diminuiu suas calorias consumidas.
Se
quisermos visualizar o tempo necessário para cada um produzir o
padrão inicial, os resultados seriam outros. Ou seja, para João
consumir 2,5 Kg de abacate e 1 paca, o que lhe satisfaz, ele gastaria
quantas horas em cada tempo? E para José consumir 5,5Kg de abacate e
1 paca, que também lhe satisfaz, quantas horas levaria em cada
tempo. Então, se mantivéssemos o padrão de consumo do tempo 1,
assim seria o tempo gasto por cada um, sem realizar as trocas.
João (2,5Kg + 1 paca)
|
José (5,5Kg + 1 paca)
|
|
Tempo 1
|
9 horas
|
8h:30 minutos
|
Tempo 2
|
9 horas
|
4h:15 minutos
|
Tempo 3
|
10 horas
|
4h:15 minutos
|
Ou
seja, José aumentou seu tempo de lazer, enquanto João diminuiu...
Conclusão
Esse
exercício de ficção deixou claro que em cada tempo, as trocas
foram vantajosas para ambos os indivíduos, confirmando a ideia inicial de David Ricardo, fazendo com que cada um
melhorasse o seu bem estar se especializando naquilo que tinha
vantagem comparativa.
Todavia,
vê-se também, que a troca é vantajosa apenas no tempo estático,
sendo DESVANTAJOSA ao longo do tempo. Aquele indivíduo que se
especializou em bens de consumo de baixa agregação tecnológica, de
produção estafante, pouco criativa, sujeita à intempéries e
doenças, teve sua produtividade estagnada por um tempo e depois até
decresceu. Para este caso, poderíamos trocar pacas por serviços em
geral no meio agrícola, principalmente aqueles com baixa mediação
tecnológica, como corte de cana e colher castanhas. Extração de
minérios e petróleo também sem mediação tecnológica entrariam
nesse item, com o agravante de serem finitos e deixarem um passivo
ambiental com sérias consequências na produtividade e no bem estar.
Já
a produção que envolve atividades estimulantes, com aprendizado
constantes, com avanços tecnológicos, permitem atingir o que se
chama ganhos de escala e disseminação daqueles ganhos forward e
backward das cadeias produtivas. No lugar de abacate, poderíamos
colocar os microchips, energias atômicas, internet das coisas,
aviões, etc... Enfim, tudo aquilo que está na fronteira
tecnológica.
Na
verdade, alguns estudos afirmam que não basta apenas se especializar
em conteúdos de alta tecnologia, mas que as economias mais
desenvolvidas, além de procurarem estar à frente do que há de mais
avançado na produção tecnológica, também procuram diversificar
sua produção. Dessa forma, seria como se produzir abacates e pacas,
trouxesse um ganho de produtividade maior ao longo do tempo, do que
simplesmente se especializar só no abacate.
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