domingo, 21 de dezembro de 2014

Matar bandido é mais eficiente?

Este texto foi inicialmente publicado no site do Luis Nassif em Maio de 2014. (http://jornalggn.com.br/noticia/matar-bandido-e-mais-eficiente-por-cristiano-pacheco)

A mim me parece que os defensores dos Direitos Humanos costumam levar desvantagem no debate a respeito dos crimes de grande impacto, porque o discurso quase sempre se centra na importância de assegurar a dignidade da pessoa humana, questões morais, de direitos universais, etc, etc, etc... Sem dúvida que são bandeiras legítimas, civilizatórias e que constituem um “cimento” mais consistente para conseguir um efetivo convívio social e uma sociedade mais pacífica.
Contudo, os contrários aos direitos humanos identificam esse discurso como uma forma de proteger bandidos e consequentemente aumentar a criminalidade. A percepção é que a segurança pública vai mal e que se for“suavizar” para o bandido a coisa irá piorar ainda mais.
Assim, de um lado temos um discurso de cunho moral que supostamente poderia até aumentar os crimes ao aliviar a vida dos criminosos; e de outro lado, um suposto discurso de cunho prático, que poderia coibir o crime através do clássico sistema de dissuasão pela força bruta e com requintes de crueldade para aterrorizar os infratores. No imaginário social e em meio à violência e o medo, é natural que o segundo discurso sempre ganhe de goleada...
Thomas Hobbes demonstra bem essa tendência comportamental dos humanos e seus correspondentes dilemas. Em linhas gerais a teoria hobbesiana coloca cada homem como lobo do homem, mas não porque sejam todos maus e sim porque não existem mecanismos efetivos de garantir uma convivência pacífica entre esses homens. Cada palavra jurada, cada compromisso firmado pode ser um embuste ou quebrado no dia seguinte em prejuízo do lado mais ingênuo! Vejo essa teoria como precursora da hoje muito citada teoria dos jogos e o famoso dilema do prisioneiro, onde o ator racional invariavelmente adota posturas não colaborativas por esta ser mais vantajosa em qualquer situação.
“(...)do medo recíproco entre os homens resulta, ao contrário, uma disposição para a desobediência e a desordem civil (…) do medo que eu não sei se o outro vai me causar na medida em que tenha o poder para tanto e contra o uso do qual não tenho nenhuma garantia, a não ser meu próprio poder. É desse medo que nasce a inclinação para a aquisição de poder e mais poder que, gerando no outro a mesma disposição, culmina na guerra. (LIMONGI, 2007).”i

Como a coisa que cada ser humano mais valoriza é a própria vida e ele precisa de recursos para sobreviver, existe um encadeamento lógico para suas ações.
1) Primeiro deve atacar quando puder garantir domínio sobre recursos que lhes são necessários.
2) Mesmo que já tenha recursos, sabendo que outros humanos deles precisam para viver, deve se defender de possíveis ataques, atacando primeiro.
3) Deve mostrar ser factível sua capacidade de reação e ataque para dissuadir novas ameaças.
“Se você tem razão para desconfiar que seu vizinho é propenso a eliminá-lo, por exemplo, matando-o, então você será propenso a se proteger elimiando-o primeiro, em um ataque preventivo. Você pode ser tentado a isso mesmo que normalmente não seja capaz de matar uma mosca, contanto que não esteja disposto a cruzar os braços e se deixar matar. A tragédia é que seu competidor tem todas as razões para fazer o mesmo cálculo, mesmo que ele seja incapaz de matar uma mosca.” (PINKER, 2013)ii
Só que Hobbes é muito preciso ao mostrar que tal estado de natureza leva a uma vida insuportável, pois a guerra é permanente, os ataques iminentes, todos são suspeitos e não existe confiança possível (alguma semelhança com o que se propaga nos dias de hoje?). O resumo da Ópera é que ele advoga que só um medo maior (o Leviatã ou o Estado) poderia impor uma ordem onde todos iriam respeitar.
Pois bem, essa fundamentação teórica (que não é única, nem definitiva), junto com dados históricos e estudos na área de segurança pública, permitem levantar a hipótese que a defesa dos Direitos Humanos pode ser também MAIS EFICIENTE do que a o bordão “Bandido bom é bandido morto”. Ou então, no mínimo, dizer que não é possível inferir que a dissuasão via penas extrema, como tortura e pena de morte, sejam comprovadamente mais eficazes que medidas punitivas instituídas por um Estado de Direito e limitadas por pressupostos dos direitos humanos. A verdade é que a discussão sobre criminalidade é polêmica, recheada de contradições, de dados referendando argumentos diferentes e causalidades múltiplas que dificultam pareceres definitivos.
No livro Guerra e Paz de Tolstoi, narra-se uma situação que nem sempre é recomendado gastar toda sua energia para exterminar o seu inimigo, pois além de desgastar suas tropas e perder vidas inutilmente, você pode estar dando elementos para que o inimigo se una e movido pelo instinto de sobrevivência cause mais danos do que se fosse apenas contido, e no caso do livro, empurrado para fora das fronteiras. A questão é bem intuitiva e é bem relatada no livro Elite da Tropa de Pimentel e Luis Eduardo Soares. Os autores relatam que quando a polícia carioca tentou aumentar seu poder de dissuasão (na verdade os motivos nem sempre eram tão nobres assim) matando bandidos rendidos, os bandidos aprenderam que não havia possibilidade de rendição. Assim, isso supostamente dissuadiria pessoas de entrar na criminalidade, o que é difícil de averiguar, mas pelo que vivemos, é possível especular que não foi efetivo. Se pegarmos a expectativa de vida de um sujeito do crime organizado, é bem possível que seja menor do que o cara da favela que não se envolve, pois o criminoso sofre tanto com a violência da polícia, como entre outras facções. Dessa forma, sob o ponto de vista exclusivo da auto-preservação, qual seria o benefício de entrar na criminalidade? (Me lembro de um documentário em que os meninos diziam preferir morrer cedo, mas viverem como reis , do que serem um “Mané” pela vida inteira...)
Por outro lado, os que ficaram na criminalidade ou entraram depois já sabiam que não existiria rendição, valendo a pena aumentar a aposta na violência e fazer de tudo para não ser pego. E de fato o poder de dano dos grupos organizados deu um salto de qualidade, não poupando alvos que antigamente eram evitados, como os próprios policiais e bombeiros.
Esse tipo de lógica é tão perturbadora, que a pessoa não precisa nem mesmo ser criminosa para se valer da violência. Se alguma pessoa inocente estiver sob suspeita de um crime e sabendo ela que não vai haver julgamento, pois a polícia irá matá-la (afinal bandido bom é bandido morto e a Justiça só alivia para a bandidagem), será legítimo (já que pelo pressuposto hobbesiano, a própria vida é o que importa) que ela procure se salvar, se ocultar, matar para se defender, ou mesmo procurar proteção no crime organizado...
Na verdade, se não houver garantias (e aqui entra o perigo de uma sociedade armada e querendo se defender a todo custo), até mesmo um pequeno acidente de trânsito ou discussão no bar podem levar à morte. Pois quem pode garantir que o cara em que eu bati o carro não é um criminoso, não está estourado e vai me matar? O mais seguro é eu atirar primeiro até porque ele deve estar pensando o mesmo. Qualquer semelhança com a vida real é mera coincidência, basta olhar as estatísticas de mortes por motivos “fúteis” para entender melhor o que se passa.
Do lado dos supostos homens de bem (ou seria bens e benz?) a lógica da sobrevivência também traz perigosos e inevitáveis desdobramentos. No mesmo livro Elite da Tropa, os autores narram uma situação em que dois policiais foram apagar um traficante, mas infelizmente foram vistos por uma testemunha. Ora, essa testemunha (que não era suspeita de qualquer crime) passava agora a representar uma ameaça, pois poderia denunciar esses “valorosos” justiceiros, com todas as consequências, como perder o emprego ou até ser preso (junto de outros bandidos que eles mesmos já teriam mandado prender ou matar). Assim, nada mais lógico do que também apagar a testemunha...
Só que a história não acaba aí. Via de regra, esses grupos de justiceiros não se sustentam sozinhos. Para apagar bandidos, deve haver ocultação de cadáveres, falsificação das perícias, armas frias, intimidações, troca de favores são feitas, coações e exigências que não estão sob nenhuma supervisão legal (e da própria sociedade). E com tantos atores envolvidos quem garante que esses agentes estão sempre buscando serviços “nobres” como combater a criminalidade e não o contrário? As milícias são um bom exemplo desse desdobramento, quando policiais viram criminosos...
Confesso que ainda me surpreendo como as pessoas são extremamente severas e pessimistas com políticos e as instituições (com contribuição negativa de nossa mídia partidarizada e oposicionista), mas se alegram e põem a mão no fogo por qualquer policial ou justiceiro que elas nunca viram, mas que tenham matado alguém que elas supõem ser um perigoso criminoso. Não poderia ser o contrário? Um policial bandido matando um inocente que ia denunciar seus crimes? No caso dos anjinhos justiceiros do Rio de Janeiro afagados pela Sheherazade, levantou-se a suspeita de que pelo menos dois deles seriam suspeitos de diversos crimes, inclusive estupro. Recentemente, tivemos o deplorável caso de linchamento de uma mulher inocente, por falsos boatos espalhados na internet. Infelizmente não foi o primeiro caso nem será o último...
Se chegarmos à conclusão de que matar bandido tenha efetivo poder dissuasório e isso for instituído na legislação, cabe também indagar se vale a pena arriscar tal abordagem, sabendo-se da inevitabilidade de morrem inocentes e a impossibilidade de corrigir esse tipo de erro. Quando condenado à prisão, sempre existe a possibilidade de reverter uma condenação errada, na pena de morte não...Nos EUA, sabe-se hoje que são vários os casos de inocentes que foram condenados a pena de morte.
Não sou especialista no tema de segurança pública, mas já li algumas coisas a respeito. Dessa forma, me arrisco a dizer que é hora de abordar a temática dos direitos humanos também sob a ótica de sua eficiência para coibir ou diminuir a criminalidade. Pelos argumentos apresentados, suspeito que a dor e humilhação não reabilitam ninguém, e muito menos possuem poder dissuasório. Cabe, portanto, debruçar-se com mais seriedade e menos paixão sobre este tema tão espinhoso, verificando os prós e contras de cada abordagem e sem desmerecer a priori qualquer alternativa. Tudo que uma boa ciência recomenda!!

i - LIMONGI, Maria Isabel. A racionalização do medo na política. In: NOVAES, Adauto. Ensaios sobre o medo.
ii - PINKER, Steven. Os anjos bons da nossa natureza. 2013

4 comentários:

  1. Enquanto está no inícil, sugiro mudar para o Wordpress, Cristiano Scarpelli. A plataforma é mais amigável. Caso queira dar uma visitada, segue o meu blog: www.cidadesincomum.com. Abç.

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    1. Valeu pela dica Guilherme, mas por enquanto vou deixar por aqui mesmo... Dei uma olhada no seu blog e achei muito bacana. Valeu!

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