Que o país colapsou já podemos constatar. Que a corja
Temer/tucanos/Pedro Parente perdeu qualquer condição de governar é outro
fato. Mas o que mais me entristece é começar a constatar que as forças
políticas que talvez poderiam apontar uma saída, principalmente o PT,
estão na lona, talvez entraram em colapso antes, bem antes.
Os propósitos desse texto não é fazer chorumela de que o PT se
distanciou das bases, perdeu o vínculo popular, ficou preso aos
gabinetes ou outros discursos a reivindicar auto imolações ou à volta de
um purismo perdido em um tempo e espaço distantes. Deixo claro antes de
tudo, que considero que o PT não perdeu nada disso e continuo
considerando como o melhor partido e o mais enraizado nas camadas
populares, bem como o que foi apto a realizar as mudanças sociais mais
profundas que este país já vivenciou. O que me causa extrema angústia e
perplexidade é constatar que o golpe foi cirúrgico, que conseguiu
atingir o objetivo de colapsar o comando partidário e suas lideranças.
Em um texto de Pritchett de 2009 (The problem with Paper Tigers:
Development Lessons from the Financial Crisis of 2008) sobre a crise
bancária de um ano antes, o autor se indaga como aquela crise foi
possível se iniciar no país mais rico do mundo, onde ele considera
existir as instituições mais fortalecidas e organizadas do planeta. A
tese dele é que a capacidade de as instituições lidarem com problemas
não são lineares podendo ruir caso apareçam pressões e situações não
previstas. O autor destaca que o que demora décadas para construir pode
ser destruído rapidamente, o que acredita ter acontecido nos eventos de
2008.
E para ilustrar os tipos de organização existentes, faz uso de três
metáforas. Em primeiro lugar existiriam as organizações dos Keystone
cops, uma metáfora dos seriados antigos do cinema mudo, onde um tanto de
policiais incompetentes cometiam todo tipo de bobagens no exercício de
suas atividades profissionais. Neste caso, de nada adiantava a
disposição de recursos, pois a limitação do corpo organizacional se
devia à baixa competência individual dos seus membros.
O segundo tipo são os chamados tigres de papel, onde os problemas
podem não ter nada a ver com limitações intelectuais dos indivíduos,
muito pelo contrário. Estas organizações seriam aquelas onde seus
membros são altamente capacitados, treinados, com elevadíssimo
conhecimento técnico, mas que na hora de executarem as ações costumam
ter um desempenho pífio. Isso pode ocorrer por dois motivos principais e
correlacionados. O primeiro é a baixa motivação, envolvimento,
interesse e comprometimento para com o serviço, onde os profissionais,
por motivos diversos, não se sentem parte ou interessados em desenvolver
o trabalho. O segundo motivo é quando os profissionais até realizam o
serviço, mas desde que sob certas condições, deixando a organização
entrar em colapso, caso apareçam situações estressantes.
Por fim, o terceiro tipo de metáfora seria o da organização
espartana, onde seus membros são altamente dedicados e com sentimentos
internalizados de fazer o melhor possível. Neste caso, não existe grande
distância entre o aprendizado teórico e o prático, já que as pessoas e o
ambiente institucional permitem que suas capacidades sejam exploradas
ao máximo. Para o autor, esse é o tipo de organização ideal.
Dessa forma, parece que essas metáforas ajudam a elucidar um pouco o
que aconteceu com o PT. É possível dizer que no partido, como na
maioria das organizações, havia uma mistura desses três tipos de
organizações, mas com predominância dos espartanos. Assim, o primeiro
golpe se inicia com o mensalão de 2006, atingindo uma a uma as figuras
partidárias que coordenavam e lideravam o partido, suas lideranças
espartanas, aquelas que davam fibra e se entregavam de corpo e alma aos
objetivos partidários. Claro que também eram portadores de um saber
técnico, mas o que dava sustento ao trabalho era a convicção e alta
relação entre teoria e prática. Os dois retratos perfeitos dessa
metáfora seriam José Genoíno e José Dirceu.
Como o líder máximo ficou preservado, o qual também se encaixa na
categoria anterior, o partido logrou caminhar e até conseguir ainda
novos e maiores avanços para o Brasil. Entretanto, devido às baixas do
primeiro golpe, foi obrigado a se cercar de figuras mais associadas à
metáfora do Tigre de Papel. Vamos reler essa definição e tentar associar
alguns nomes: a) “As organizações tigres de papel seriam aquelas onde
seus membros são altamente capacitados, treinados, com elevadíssimo
conhecimento técnico, mas que na hora de executarem as ações costumam
ter um desempenho pífio” (José Eduardo Cardoso e Mercadante?). b) “os
profissionais, por motivos diversos, não se sentem parte ou interessados
em desenvolver o trabalho (Delcidio do Amaral e Palocci?). c)“os
profissionais até realizam o serviço, mas desde que sob certas
condições, deixando a organização entrar em colapso, caso apareçam
situações estressantes (Dilma, Fernando Haddad e Gleisi Hoffman?).
Ressalto que tenho enorme e profunda admiração pela maioria dos
nomes acima, especialmente o do Fernando Haddad, mas onde todos eles em
alguma medida tiveram dificuldade em lidar com a crise de junho de 2013.
É possível ainda que o nível de stress tenha sido tão grande, e de fato
o foi, que qualquer um outro teria dificuldade de segurar o rojão.
Mas o resultado prático foi que os golpistas, ao invés de
continuarem o trabalho de snippers, abatendo as lideranças do partido,
conseguiram naquele fatídico episódio, colocar a organização sob stress,
a fim de alvejar sua legitimação política frente à sociedade. Ou seja,
lideranças não foram perdidas, mas a capacidade de se sustentar e se
legitimar junto à sociedade foi quase mortalmente atingida.
Como consequência houve a necessidade de se cercar ainda mais de
“tigres de papel” e até de “keystones cops”. Na verdade, para ser mais
justo e preciso com as metáforas, é importante inserir o José Eduardo
Cardoso na categoria dos policiais trapalhões. Afinal, o homem deve ser
um caso único na história universal de suprema incompetência. Basta
lembrar que sob as barbas do ministro da justiça, policiais federais
praticavam barbaridades tranquilamente, como praticar tiro ao alvo com a
foto da Dilma ou manifestantes fazendo baderna na porta do seu
apartamento.
Ainda assim, aos trancos e barrancos o PT conseguiu ganhar as
eleições de 2014. Mas acredito que algumas estranhas decisões do período
já eram sintomáticas da perda de capacidade operacional da organização
para os desafios de então. Afinal, como explicar o fato do partido não
ter apresentado o Lula como candidato já em 2014? Como explicar o fato
de terem demorado mais de um ano para incorporar o Lula como ministro do
cambaleante governo Dilma? Como explicar a manutenção do inoperante
José Eduardo Cardoso por tanto tempo?
Já ouvi muitas respostas razoáveis para essas indagações,
inclusive, de que haveria por parte de alguns “keystones caps” e “tigres
de papel” a ilusão de que a Dilma sairia por cima de toda a crise como a
incorruptível, mesmo que com Lula jogado aos leões. Mas qualquer que
seja a explicação, certo é que a organização perdeu a capacidade de
pensar e se articular para a resistência, não usando nem mesmo das
principais ferramentas disponíveis quando ainda possuíam a presidência,
para preservar seu principal ativo, o Lula. Até acredito que mesmo com
outras estratégias, com Lula candidato em 2014 ou ministro da Dilma já
em 2015, os desafios seriam enormes e poderiam também fracassar, mas é
crível supor que haveria maior capacidade de resistência.
De toda forma, com a complacência do Ministro da Justiça e até da
cúpula partidária, assistiu-se ao terceiro e último golpe, que se deu
com o avanço da Lava-Jato. A falta de uma estratégia de enfrentamento a
essa operação era tão visível, que essa linha de frente do golpe chegou a
ter apoio entre petistas de até 80% a 90% de seus simpatizantes.
Afinal, era vendida como uma operação de combate à corrupção, e por não
ter contraponto, bem como com o apoio de todo aparato midiático
existente, nadaram de braçada.
A consequência foi que a organização sob stress em diferentes
frentes, do Impeachment à diversas operações policiais a prender a
cúpula partidária e com perseguição ao Lula, perdeu qualquer capacidade
de coordenação. Por isso que defendi
aqui, a necessidade do PT preservar
o seu principal ativo partidário através de um exílio. Em momentos como
esse é preciso ter paciência e esperar que o tempo forneça as
oportunidades para reorganização e religitimação social. De fora e longe
da prisão é possível manter a serenidade para analisar com frieza os
fatos e formular estratégias. Ter tempo e elementos para pensar.
De dentro da prisão, mesmo a possibilidade de analisar a conjuntura
se restringe, sendo quase impraticável tomar decisões e transmiti-las a
tempo dentro das necessidades impostas. Talvez, a inoperância observada
nesses últimos dias seja resultado dessa falta de agilidade dentro da
linha de comando. Afinal, é racional manter o lançamento da candidatura
Lula com o país pegando fogo, sofrendo desabastecimento e sem transporte
público? Resultado: Atos esvaziados e demonstração de fraqueza.
Esperar o desenrolar das coisas, é saber que com o Impeachment o
ônus e bônus de governar passaram para o consórcio golpista. Se estes
tivessem sucesso, ficaria mais difícil do PT retornar, se fracassassem,
novas oportunidades se abririam. E como a corja golpista entrou com a
única preocupação de repartir o butim, o fracasso é iminente e vem agora
se concretizando com a greve dos caminhoneiros. Estão sem saída porque
não possuem projeto de país. E estão num impasse porque precisam manter a
entrega aos corsários dos EUA. Rede Globo, STF, toda a cúpula golpista e
até o Sérgio Moro já condenaram a continuidade do movimento grevista
dos caminhoneiros.
Nesse caso, poderia ser uma porta a se abrir para a esquerda, mas
ainda não parece ser o caso, pois a esquerda não lidera o movimento, nem
parece ter condições para tal nesse momento. As portas parecem mesmo se
abrir é para a extrema direita. Pelo andar da carruagem, Janio de
Freitas tende a estar certo em sua análise que Bolsonaro e o discurso de
intervenção militar irão faturar alto com o episódio. Tempos sombrios
se avizinham...
Acredito que na atual conjuntura e frente à greve ou locaute dos
caminhoneiros, à esquerda caberia o papel de denunciar essa lógica
destrutiva do modelo entreguista imposto à Petrobrás, de mostrar à
sociedade que reduzir impostos não é solução, mas sim a criação de novos
e maiores problemas. Infelizmente, a singularidade que vivemos não está
a pedir palavras de ordem unicamente de #LulaLivre. Acho até que parte
da solução passa por essa bandeira, mas não pode ser a principal. A
esquerda deveria estar reproduzindo os comunicados da FUP e da AEPET, os
quais apresentam consistência e esclarecem bem os principais problemas.
Acredito que o momento é de apresentar caminhos e soluções para o país.
Quanto a apoiar diretamente o movimento grevista (ou locaute), a
própria indefinição quanto ao tema já é outro sinal de
fragilidade...Alguns acham arriscado apoiar um grupo que ainda não
sabemos quem está por trás. Ademais, o timing pode ter passado e a bomba
das graves consequências que estão a vir poderia cair no nosso colo.
Por outro lado, outros argumentam que o movimento ganhou vida própria e
passou por cima de empresários e está a peitar o governo golpista e o
stablishment, sendo uma ótima oportunidade para a esquerda capitalizar.
Ao final, como conclusão sobram avaliações díspares e nenhuma definição
clara.
Por último, é impressionante que o PT frente a tamanha debilidade
interna, com extrema perda de apoio junto à sociedade (as outras forças
políticas também, registre-se), perda de capacidade de articulação e
possuindo atualmente uma inacreditável aversão psicótica junto às classe
de maior poder aquisitivo e de curso superior, tenha conseguido se
convencer que é possível caminhar sem pontes com outros setores,
inclusive os de centro-esquerda.
É realmente espantoso que o partido que acertadamente realizou todo
tipo de coalizão para garantir a governabilidade, apoiando até mesmo
Sarney contra Flávio Dino do PC do B no Maranhão, tenha agora lideranças
a desdenhar de uma possível aliança com Ciro Gomes. Desdenho esse que
contaminou uma parte da militância, a qual passa horas a apontar todas
suas baterias contra o cearense do que contra o fascista Bolsonaro.
Nesse sentido, acredito que essa última ofensiva da prisão do Lula possa
estar trazendo elementos de uma organização “keystones Cops” ao PT,
implodindo pontes necessárias que terão que ser reconstruídas em algum
momento, nem que seja por questão de sobrevivência física dos seus
militantes.
Apesar dos pesares e se as eleições vierem a acontecer, ainda
acredito e tenho esperança que as exigências da realidade colocarão toda
a centro-esquerda unida, talvez até no primeiro turno. O problema é que
se essa união vier no segundo turno, pode ser que não venha a acontecer
em torno de Ciro Gomes ou o candidato do PT a substituir Lula, pode vir
em torno de Marina Silva, Geraldo Alckmin ou Dória, candidatos de
direta a disputar com a suprema ignorância conhecida também como
Bolsonaro.