quarta-feira, 26 de maio de 2021

Brasil, o campeão mundial de mortes por Covid (ajustado pela estrutura etária)

O Brasil está em décimo primeiro lugar no número de mortes por milhão de habitantes. Todavia, como apontou esse belo trabalho do Marcos Hecksher, é importante ponderar as mortes pela estrutura etária. Desconfio que se este estudo for refeito agora (foi de antes da segunda onda), o Brasil já é o campeão mundial. 

Fiz aqui rapidamente uma pesquisa da estrutura etária dos países que estão à frente do Brasil:

Porcentagem da população com mais de 65 anos:

Hungria: 18,58%

República Theca: 19,03%

Bósnia: 16,57%

Montenegro: 14,76%

Macedônia: 13,26%

Bulgaria: 20,8%

Eslováquia: 15,07%

Bélgica: 18,57%

Eslovênia: 19,06%

Itália: 23,02%

Brasil: 8,55%

Assim, percebam que o Brasil tem quase sempre menos da metade da proporção de idosos dos outros países líderes. 

Bom, numa conta de padaria e me corrijam os matemáticos de plantão. Se o Brasil tem 8,55% de idosos e supondo que só morram idosos, nós temos aí no ranking quase 2.000 mortes por milhão de habitantes e também 2000 mortes para cada 85.500 idosos (8,55% de 1 milhão). E 2000 mortes sobre a população idosa de 85.500, dá uma mortalidade de 2,33% para a população idosa...  

Pois bem, se dobrarmos a nossa proporção de idosos para 17% e mantivermos a mortalidade de 2,33%, teremos uma população de idosos de 170.000 por milhão. Daí, aplicando 2,33% sobre esse número, tem-se 3.962 mortes para cada 170.000 mil idosos ou 3.962 mortes para cada milhão da população total. Bom, pelo que entendi, ao dobrar a proporção de idosos, dobramos o nosso número de mortes por milhão...

Outra possibilidade, tal qual já vi em algumas manchetes, é calcular que a proporção de morte de idosos é de 70% do total (portanto, 1.400 das 2000). Isso então dá uma mortalidade de 1,6% entre idosos (1.400 dividido por 85.000) e de 0,06% entre jovens (600 dividido por 915.000). Refazendo os cálculos sobre a proporção em que a estrutura etária de mais velhos dobra, temos 1,6% de 170.000 idosos + 0,06% de 830.000 jovens. Nesse caso, o Brasil passa a ter 3.344 mortes por milhão....

Portanto, vejam que esses resultados são bem acima de qualquer um dos primeiros colocados. Se eu estiver certo no meu raciocínio, o Brasil já é disparado o campeão de mortes. Fica a dica para algum técnico refazer o mesmo estudo de forma mais detalhada e criteriosa, tal qual Marcos Hecksher fez em fevereiro de 2020, antes da segunda onda.

domingo, 16 de maio de 2021

Quando a carne masculina é a mais barata do mercado!

Jacarézinho, 29 seres humanos executados barbaramente! Todos homens! (E é assim em 99,2% dos casos!!!)
Quem se revoltou com o absurdo da violência abjeta e inaceitável ocorrida em Jacarezinho, deve ter observado muitas análises enfatizando a recorrente violência gratuita direcionada a pretos e pobres no Brasil. Como diz recorrentemente o jornalista Reinaldo Azevedo, pegando o refrão da Elza Soares, a carne preta é a mais barata no mercado...Isso é público e notório!
Mas venho aqui propor uma outra reflexão que no geral percebo que não é muito bem divulgada ou mesmo bem aceita na discussão pública. Em certos aspectos e contextos, a maior vítima do machismo e da violência estrutural que existe na sociedade é o próprio homem. Em determinados contextos, ser homem é muito mais arriscado, pois socialmente, certas formas de violência, como esses assassinatos é mais aceitável e fácil de justificar quando as vítimas são homens. Basta dizer que eram bandidos! (Percebam que 29 mulheres traficantes provavelmente não pareceria crível e seria menos aceita entre aqueles que de cara compraram a versão de que era tudo traficante...)
Para se ter uma ideia de como a carne masculina é descartável, em 2019, os mortos por intervenção da polícia no Brasil eram homens em espantosos 99,2% dos casos!! Número beeeeeemmm maior do que os já revoltantes 79% de negros assassinados em intervenções do tipo....(https://noticias.uol.com.br/.../oito-a-cada-10-mortos...).
Ademais, mesmo fora do contexto policial, as chances de um homem ser morto chega a ser vinte vezes maior do que as mulheres quando se leva em conta o ambiente fora da residência. Já dentro de casa, as chances das mulheres morrerem são bem maiores (levando-se em conta todas as situações, as chances dos homens morrerem assassinados é dez vezes maior do que as mulheres). Nas guerras matam-se os homens e estupram-se as mulheres. Na guerra do Paraguai, o exército de Caxias matou 98% da população masculina paraguaia e obviamente estuprou grande parte da população feminina. Todas violências inaceitáveis, óbvio! Mas são padrões, códigos, justificações e legitimações diferentes!
Bom, eu acredito em razões de diverso tipo que ajudam a explicar essa dinâmica. Não vou discorrer muito sobre isso e nem sou especialista no assunto, de forma que posso estar cometendo equívocos. Uma vez escrevi um texto sobre o dilema "hobbesiano", (o qual foi publicado no Blog do Nassif e deixo aqui em anexo https://jornalggn.com.br/.../matar-bandido-e-mais.../), o qual, acredito pode nos dar pistas a respeito de diferenças tão grandes de assassinato entre homens e mulheres. A ideia básica do dilema é que em situações onde não há garantias para a própria vida, a melhor defesa é o ataque e todos lutam contra todos. O que estou a imaginar é que essa linha de análise pode nos dar pista sobre essa situação de preponderância da violência contra a população masculina, ou seja, quando um determinado gênero é percebido como mais propício a atacar, nada mais natural que quem se "defende", ataque primeiro aquela ameaça mais efetiva. Quem ataca, alega que ataca para se defender! Claro que os contextos atuais são muito mais complexos, mas acredito que nos dá boa pista do que parece ser um padrão ao longo da história.
Assim, as estatísticas apontam que existe um padrão e um contexto onde a carne masculina é mais barata no mercado, o qual geralmente é mais elevado no ambiente social, externo à residência. Espantosamente mais elevado! (De forma que é mais fácil até mesmo um homem branco morrer assassinado na rua do que uma mulher negra, a qual historicamente sofreu e sofre todo tipo de violência e discriminação racial e de gênero).
O que acho curioso é que parece existir uma resistência enorme a admitir estatísticas tão evidentes. De forma que essa questão do gênero masculino não costuma aparecer nos debates (eu pelo menos vejo pouco, já vi algumas autoras e autores levantando essa bola e hoje tenho essa visão graças a elas e eles), ressalta-se apenas as questões raciais e sócioeconômicas, limitando-se, às vezes, a dizer que o homem se envolve mais em comportamentos de risco (o que sim é verdade, mas que não é suficiente para explicar as enormes diferenças).
No mais, eu suspeito que essa discussão não seja bem aceita, em parte porque os valores machistas presentes na sociedade não permitem admitir o sofrimento masculino (e sua condição de vítima e de um ser que também carrega sofrimentos e é objeto de violências inaceitáveis). Afinal, homem não chora! E talvez, desconfio que uma parte do feminismo não costuma aceitar com bons olhos essa narrativa, pois arranha a ideia de que as mulheres são as únicas ou sempre as maiores vítimas.