terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Reforma da previdência 2 (déficit ou superávit?)

Tudo nessa discussão depende de como se contabiliza receitas e despesas. É certo que existe uma disputa política em torno das palavras. Expressões como déficit e superávit possuem impacto claro e imediato. Afinal, ninguém tende a gostar de déficit e superávit soa como algo bom.

Resumidamente veremos que os fiscalistas maximizam as despesas, considerando todos os gastos previdenciários e às vezes até os não previdenciários, já no que diz respeito às receitas contabilizam apenas as contribuições do empregador e do empregado. Por outro lado, os constitucionalistas procuram contabilizar conforme os preceitos da Constituição, considerando todas as despesas da seguridade social (inclusive saúde) e todas as receitas da seguridade (contribuições do empregador, empregado, CSLL, Cofins, 60% do PIS/Pasep, renúncias de receita e receitas próprias).

Abaixo, têm-se uma forma bem usual de divulgar os dados do Regime Geral (INSS), usada pelos autores fiscalistas e muito difundida pela mídia do país.


Assim, observa-se que o saldo previdenciário seria negativo a vários anos, dando uma possível razão aos argumentos que pleiteiam novas reformas previdenciárias. Contudo, é interessante observar que mesmo nesta tabela não existe um aumento do déficit em números absolutos, e consequentemente, quando comparado ao PIB, o déficit teria uma tendência de decrescimento. Mas como adiantei no primeiro post, é certo que o tal déficit esteja aumentando em números absolutos nesses últimos anos e em relação ao PIB, pois as contribuições caem no momento de recessão (aumentando o tal déficit em número absoluto) , ao mesmo tempo que o PIB despenca (aumentando a proporção, já que o denominador diminui).

Para deixar mais claro como se dá a contabilização das principais linhas interpretativas, a tabela abaixo com o fluxo de caixa do INSS especifica as principais fontes de receita e despesas da Previdência: 

Tabela de Gentil (2006)

Vamos ver mais detidamente como cada um faz seus cálculos!! 

A linha fiscalista desconsidera as receitas de transferência da União, adotando via de regra o valor do item 4, Saldo Previdenciário, correspondentes aos recebimentos próprios (empregado e empregador) menos os benefícios previdenciários: 

Advém daí o argumento de que o déficit estaria retirando dinheiro de outras áreas sociais, pois supostamente o tesouro é quem estaria preenchendo o buraco do “terrrível rombo”, a prejudicar inevitavelmente as gerações futuras. Portanto, o resultado para eles seria sempre déficit! 

Já o viés constitucionalista adota o item 5, o do saldo operacional, considerando na parte de receitas, o que foi transferido pela União via Cofins, CSLL e antiga CPMF (vale lembrar que a União nunca transferiu adequadamente esse recursos). Assim, o saldo operacional seria negativo apenas no ano de 2003. 


O gráfico abaixo retrata melhor:


Contudo, os constitucionalistas não se limitam ao fluxo de caixa do INSS e propõem uma abordagem a partir dos preceitos constitucionais, levando em conta toda a seguridade social e não apenas o que arbitrariamente a União transferiu:

Receitas e despesas da seguridade social em 2005
(em milhões de reais)

Percebe-se que o resultado final surpreende, soando a palavra mais agradável "superávit", no lugar de "déficit. E esta é a forma constitucional e como os constitucionalistas contabilizam o orçamento da seguridade social, mostrando que ela é superavitária

Como explicado anteriormente, as transferências para a previdência vêm da União, mas não para cobrir um "rombo" ou gastar dinheiro de outras áreas com o déficit dos velhinhos irresponsáveis. Na verdade, o dinheiro transferido nada mais é que dinheiro constitucionalmente vinculado à previdência, e portanto, transferido a quem lhe é de direito.

Assim, Miranda (2010) pergunta sobre a destinação destes superávits, perguntando se poderiam ter ido para a saúde ou outra área. Já a Anfip e Gentil (2006) são mais taxativos e apontam que estes recursos foram inconstitucionalmente apropriados pelo orçamento fiscal, mais especificamente para pagamentos de juros e despesas de inativos do funcionalismo público.

Ao fim, vejam o contraste entre as duas formas de cálculos, a constitucionalista x a fiscalista. Um a propagar o déficit ou rombo previdenciário e outro que demonstra que a seguridade (em que está inserida a previdência) é consistentemente superavitária.:


Sugestão: Vale a pena ver este curto vídeo da Anfip (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal), onde muito do que falei é explicado didaticamente. Percebe-se que em 2014 a seguridade social (e a previdência nela inserida), continuava superavitária em R$ 55 BILHÕES. 


Bibliografia:

- MIRANDA, Andrey L. F. O déficit da Previdência Social: Análise comparativa entre as duas linhas metodológicas divergentes. 2012, 97f. Dissertação (mestrado em economia). Departamento de ciências econômicas – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2010.  Disponível em: <http://tcc.bu.ufsc.br/Economia292766>. Acesso em: 18 Out. 2012.

- ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS AUDITORES FISCAIS DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL. Análise da seguridade social 2011. Brasília: Anfip, 2012. 136p. Disponível em: < http://www.anfip.org.br/publicacoes/livros/includes/livros/arqs-pdfs/analise2011.pdf> Acesso em: 21 Out. 2012.

- GENTIL, Denise Lobato. A política Fiscal e a Falsa Crise da Seguridade Social Brasileira: Análise financeira do período 1990-2005. 2006, 243 f. Tese (doutorado em economia). Instituto de Economia – Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, 2006. 

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