quarta-feira, 6 de maio de 2015

Âncora Fiscal, Cambial eTransações Correntes - Dilemas advindos com o Plano Real

No atual cenário de ódio, raiva e intolerância, resolvi seguir o caminho contrário. Ando meio Zen-budista, procurando a sensatez, valorizando a dúvida, as incertezas e tentando sair da inevitável ideia de que sou o dono da verdade. Quantas vezes já mudei de ideia a respeito de tantos temas? Aliás, à medida que tomo mais conhecimento de certos assuntos, tenho tido mais clareza que é um equívoco se postar como o que sempre tem razão. Avançaríamos uns mil anos enquanto sociedade e enquanto indivíduos se cada qual tentasse ser mais humilde e tolerante. Sei que é utopia e posso no máximo tentar fazer valer esse padrão para mim.

Assim, vendo panela pra cá, passeata para lá, gente pedindo Ditadura, todos julgando a si mesmos experts sobre quaisquer assuntos (lendo no máximo a Veja) e com uma solução definitiva para o pecado original, qual seja, a saída de Dilma... (Uma espécie de talismã para exorcizar os próprios pecados, pois cada qual na vida pessoal faz exatamente aquilo que diz condenar na política), resolvi, então, me desgastar menos com discussões inúteis e meditar serenamente sobre alguns assuntos.

Como a economia tem gerado apreensões, resolvi rever os dados que usei em minha monografia de 2013. Até então o cenário era bem confortável e com inegáveis méritos no campo social, em especial geração de empregos, carteira assinada e valorização do salário mínimo. Sei que houveram algumas pioras e outros fatores se mantiveram estáveis. Portanto, a ideia é ver em que pé se encontram alguns dados e tentar estabelecer uma narrativa coerente para o desenrolar da História.

Minha veia de historiador sempre privilegia narrativas históricas, então, ao querer analisar o atual cenário econômico, acabei voltando lá no Plano Real. (Não desanimem, pois uma vez, para falar de educação em um trabalho de Faculdade, voltei na Idade da Pedra....kkkk)

Âncora Fiscal, cambial e Transações Correntes - Dilemas advindos com o Plano Real

Entre os economistas, geralmente, pontua-se o déficit público como um dos causadores da inflação, o que também levaria ao remédio lógico de que para combater a inflação, faz-se necessário um ajuste fiscal.

Não é por menos que todas as teorias e tentativas de estabilização da moeda (Planos Cruzado, Bresser, Verão, Collor I e II) preconizavam de alguma maneira a necessidade de um ajuste fiscal, propondo em diversas ocasiões a diminuição dos gastos correntes e medidas de ajuste. Contudo, na prática, pelas dificuldades do contexto em que se vivia, os planos acabaram por não conseguir sustentar o que propunham, mantendo e agravando a situação inflacionária.

O Plano Real incorporava o mesmo pressuposto, pois foi originalmente concebido como um programa de três fases, sendo que as duas primeiras seriam condição sinequa non para que a terceira fosse implementada: a primeira tinha como função promover um ajuste fiscal que levasse ao equilíbrio das contas do governo; a segunda fase criava a Unidade Real de Valor (URV), como um padrão estável de valor; e a terceira concedia poder liberatório à unidade de conta e estabelecia “as regras de emissão e lastreamento da nova moeda (real) de forma a garantir a sua estabilidade, desempenhando todas as funções: unidade de conta, meio de pagamento e reserva de valor (CASTRO, 2011; OLIVEIRA, 2012).

Porém, as reformas fiscais pretendidas se defrontaram com resistências políticas, principalmente as que afetavam os governos estaduais, o que levou ao abandono ou adiamento de boa parte das propostas. Por último, o abandono definitivo da âncora fiscal se deu pela posição nada favorável em que se encontrava o candidato Fernando Henrique Cardoso nas eleições de 1994, o que levou à antecipação do Plano Real, com o claro objetivo de modificar, com os seus frutos, a corrida sucessória. (OLIVEIRA, 2012).

A tabela abaixo demonstra a necessidade de financiamento do setor público nos anos anteriores e posteriores ao Plano Real. Percebe-se que existia uma média de déficit público, resultado primário e juros reais em patamares não tão elevados (comparado ao que veio depois), os quais decresceram substancialmente no ano do Plano Real, para logo em seguida passarem a uma trajetória de crescimento descontrolado.

Tabela 1 - Necessidade de Financiamento do Setor Público (NFSP) –Brasil – 1991-1997
Ano
Déficit Operacional
Resultado Primário
Juros Reais
1991
0,17
2,71
2,88
1992
1,88
1,57
3,45
1993
0,79
2,19
2,98
Média 91-93
0,95
2,16
3,10
1994
-1,25
5,21
3,96
1995
6,55
0,24
6,79
1996
5,33
-0,09
5,24
1997
5,5
-0,88
4,62
Fonte: Adaptação de Giambiagi; Além (2011,p.109/139).
Nota: (a) Valores em % PIB (b) (-) Superávit (c) Conceito Operacional (d) Setor Público Consolidado.

Portanto, conclui-se que o sucesso do Plano Real não dependeu da âncora fiscal, ele foi antes de tudo sustentado pela âncora cambial. O governo fixou o teto do dólar na paridade de R$1,00/US$1,00, com o piso flutuando e estabeleceu taxas de juros elevadíssimas para garantir o fluxo de capitais externos. Portanto, de um lado tentava dar competitividade à economia e evitar remarcação de preços e, de outro, garantir o afluxo de capitais para manter o câmbio apreciado e financiar o déficit em transações correntes. Ademais, vieram o compromisso com a abertura comercial e a maior inserção no processo de globalização (OLIVEIRA, 2012). Por último, Giambiagi (2011) acrescenta que o Plano Real também foi salvo pelo retorno da ampla liquidez no mercado internacional, que buscou rentabilidade nos mercados emergentes.

Hoje, todos consideram inquestionável a importância de se controlar a inflação, pois em ambientes de descontrole inflacionário, a economia se desorganiza e os setores mais ricos se defendem melhor do que os mais pobres, aumentando a desigualdade. Contudo, muitos economistas citam diversos problemas advindos desse formato de âncora cambial e que sua lógica teria permanecido mesmo após o abando formal em 99.

Bresser-Pereira é um dos que mais criticam essa engenharia baseada em um câmbio valorizado, pois tal política levada a cabo por vários anos, simplesmente destruiria os setores industriais menos avançados e inviabilizaria o surgimento/consolidação de indústrias de ponta. Para a teoria econômica liberal, nada disso seria problema, pois cada país deve se especializar naquilo que tem maior vantagem comparativa, sendo a quebra de uma indústria sinal de sua ineficiência e que os recursos serão melhor alocados a partir de então. O debate em torno disso é longo e inconclusivo, mas empiricamente, dificilmente se encontram grandes economias a sustentar grandes populações baseadas apenas em commodities.

E para Bresser-Pereira, a questão não é de ineficiência, pois a simples descoberta de uma riqueza natural, como o petróleo, não poderia inviabilizar toda uma série de empreendimentos industriais. Acontece que usualmente é isso que acontece, pois estas riquezas geram exportação, trazem dólares ao país e valorizam o câmbio, o que por sua vez, começam a inviabilizar uma série de empreendimentos, levando à desindustrialização. Abaixo, é possível observar que o Brasil parece estar trilhando esse caminho.



* Dados acumulados em 12 meses até Junho
Fonte: Funcex



Outra possível consequência negativa de tal cenário, diz respeito ao fato de que um câmbio sobrevalorizado e uma balança comercial sustentada por produtos primários costumam atrair inevitáveis desequilíbrios na balança de pagamentos, pois os produtos naturais possuem maior variabilidade de preço e não dão conta de compensar o déficit em transações correntes.

 Fonte: Banco Central
Elaboração Própria

Normalmente, o Brasil possui uma balança comercial superavitária, exportando mais do que importa, principalmente devido ao peso das commodities. Por outro lado, via de regra, sai mais dinheiro do que entra quando o quesito é remessa de lucros ao exterior, o que ocasiona um déficit na balança de serviços. A soma das duas (em resumo) nada mais é do que o resultado das Transações correntes e por isso o quase inevitável déficit como visto acima. Nos últimos 20 anos, apenas no período do primeiro governo Lula é que se conseguiu um superávit em transações correntes, fruto do alto preço das commodities no período.

Para 2015, o quadro não vem apresentando melhoras mesmo com a desvalorização do câmbio. O último relatório do Banco Central apontou que o déficit de transações correntes em março foi de 4,5% do PIB. Para se ter uma ideia, a grande desvalorização cambial que o Brasil sofreu em 1999, quando teve que pedir socorro ao FMI, se deu em um quadro de déficit em transações correntes na casa dos 4%.

A diferença é que hoje o país possui reservas internacionais mais robustas, as quais foram prudentemente acumuladas a partir de 2003, por isso o Brasil não apresenta um quadro econômico tão grave como o do período FHC.

* De 1998 até 2005 os dados correspondem ao conceito de reservas líquidas ajustadas, referido nos acordos com o FMI.** Dados de Junho 
Fonte: Banco Central


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Referências: 

1- CASTRO, Lavinia Barros de. Esperança, Frustração e Aprendizado: A História da Nova República. In: GIAMBIAGI, Fábio et. al (Orgs). Economia Brasileira Contemporânea. Rio de Janeiro. Elzevier, 2011. p.97-129.

2- GIAMBIAGI, Fábio & ALÉM, Ana Cláudia. Finanças públicas: teoria e prática no Brasil. 4.ed ver. E atualizada. Rio de Janeiro: Elzevier, 2011.

3-OLIVEIRA, Fabrício Augusto de. Política econômica e crise mundial: Brasil, 1980-2010. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2012.



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